terça-feira, novembro 01, 2005
















Ghost writer *

odeteronchibaltazar


Quando estava no Colégio Normal, lá pelos idos anos 70, eu me sobressaía na sala de aula por ser estudiosa e tirar notas excelentes. Era uma CDF assumida e era procurada pelas colegas para ajudá-las nas tarefas, trabalhos ou provas.
Tinha uma colega, vizinha de carteira, a Dora, que tirava o máximo de proveito da minha boa vontade: colava nas provas, estava sempre na minha equipe e pegava minhas tarefas todos os dias para copiar. Nem se dava ao trabalho de disfarçar sua preguiça de estudar.
Dora tinha um namorado que já estava na Capital fazendo o curso de Direito. Ele era uns cinco ou seis anos mais velho que ela, que tinha dezessete, assim como eu.
Eles se correspondiam como apaixonados que eram e um dia ela me mostrou uma das cartas e a resposta que estava escrevendo, pedindo-me auxílio para a elaboração da carta. A desculpa era que não escrevia muito bem, enquanto ele era excelente na escrita.
Ajudei-a com muito gosto. Fiquei até envaidecida em ser considerada uma boa "escritora" de cartas.
Na semana seguinte, Dora me traz outra carta do namorado e me confidencia que está sem assunto para escrever a carta em resposta. Pede-me para ler o que o namorado escreveu e dar uma idéia do que ela deve responder.
Lá fui eu, de novo, escrever a carta para o namorado dela.
Escrevi como se o namorado fosse meu e eu a namorada amada, esperando pelo amado, longe, na capital. Era um amor só! Empolguei-me, senti-me a própria namorada, e escrevi muitas páginas em papel de carta de seda. Ficou uma carta longa, amorosa, cheia de saudade e de carinho.
Dora adorou e o namorado dela, amou!
Na outra semana, Dora recebeu outra carta e me mostrou toda entusiasmada. O namorado tinha estranhado a maneira dela escrever e ficara se perguntando de onde ela tirara tanto assunto na carta anterior, mas estava feliz por vê-la tão alegre e romântica.
Dora, já sem nenhum pudor, pede-me que responda a carta no lugar dela. E começa ali, um período curioso da minha vida em que fui a namorada apaixonada sem nunca ter sido. Eu escrevia com prazer e já estava gostando daquela fantasia. Escrevia longas cartas que Dora, muitas vezes, dividia em duas para dar mais assunto ao namorado.
Sentia-me poderosa, tendo as palavras como varinha mágica que fazia aquele amor florescer. O amor era de Dora ou era meu?
Minhas eram as fantasias. De Dora, o namorado, com o qual se casou depois da formatura do curso normal. E eu? Nem fui convidada para o casamento...
Nunca ele soube da escrevinhadora das suas cartas. Não sei se desconfiou de algo. Nunca eu soube. Nem sei se estão felizes. Devem estar. Espero que estejam. Eu estou feliz e de consciência tranqüila. Sei que sou uma criadora de ilusões.

odeteronchibaltazar

*O ghost writer, é uma espécie de revisor e re-escritor das coisas alheias. Forneça-lhe informações básicas e algumas pistas de como desejas o teu texto e ele o entrega pronto. Seja este texto um discurso, uma dissertação, um panfleto publicitário, ou qualquer outro.

Um comentário:

Anônimo disse...

odete, lê-la é maravilhar-se...escreves muito bem, com tanto sentimento, combinas as palavras com a facilidade de uma grande poeta
fico feliz em te ler
vc nos torna melhores
e quanto ao conto, fantástico...rs...sim, vc proprociou o encontro entre almas, talvez até, sem o saber, vc tenha capturado a de sua amiga, em seu coração

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